O fenômeno do aumento da prevalência de problemas psicológicos como estresse, ansiedade e depressão, especialmente após o período pandêmico, tem sido amplamente observado. Contudo, é pertinente destacar que este estado contínuo de estresse exerce uma influência adversa significativa sobre a saúde digestiva. Este efeito deriva da interação entre o sistema nervoso central, que se origina no encéfalo, e o sistema digestivo. O eixo conhecido como ‘intestino-cérebro’ representa esta comunicação, sendo o estômago também um componente ativo nessa troca de informações. Durante momentos de elevado estresse, o sistema nervoso simpático é ativado, o que resulta em uma desaceleração na taxa de digestão, podendo até mesmo interrompê-la completamente. Este processo pode ocasionar diversos desconfortos associados a uma digestão inadequada, como dor abdominal, distensão abdominal, flatulência e azia, além da sensação de plenitude. Adicionalmente, a estagnação dos alimentos no trato digestivo, devido à interrupção da digestão, pode desencadear processos fermentativos, contribuindo para a ocorrência de constipação.
É notável que algumas patologias do trato digestivo têm suas origens relacionadas ao estresse, sendo que este último pode agravar os sintomas de condições como refluxo gastroesofágico, úlceras gástricas, alergias alimentares, além das doenças inflamatórias intestinais (DII) e da síndrome do intestino irritável (SII). A elevação dos níveis de estresse intensifica a sensibilidade gástrica ao ácido clorídrico, culminando em maior incidência de acidez gástrica e episódios de refluxo. Concomitantemente, há uma redução na produção de bicarbonato, o qual desempenha um papel tamponante na proteção da mucosa gástrica contra a acidez. Além disso, ocorre uma diminuição na produção de neuropeptídeos, como o CGRP, que têm propriedades protetoras na mucosa gástrica. A soma desses fatores, ao longo do tempo e na ausência de controle do estresse crônico, pode culminar no desenvolvimento de úlceras gástricas, devido à agressão constante à mucosa estomacal e sua incapacidade de se recuperar adequadamente.
Outra área de estudo de grande relevância no contexto da relação entre estresse e saúde digestiva é o impacto do estresse cotidiano na composição da microbiota intestinal. A ocorrência de uma disbiose intestinal, que envolve alterações na quantidade e qualidade das bactérias intestinais, promove uma maior permeabilidade da barreira que separa o intestino da corrente sanguínea. Tal fenômeno facilita a passagem de substâncias inflamatórias para o sistema circulatório, podendo intensificar a inflamação em diversas regiões do organismo, incluindo o intestino. Isso pode agravar os sintomas de condições como colite ulcerativa, doença de Crohn e síndrome do intestino irritável. Esta última é uma das condições mais estudadas quanto à influência do estresse em seus sintomas, dado que indivíduos afetados frequentemente apresentam uma hipersensibilidade visceral, resultando em dores abdominais intensas. A magnitude do desequilíbrio na saúde intestinal e, consequentemente, na intensidade dessas dores, está diretamente relacionada à intensidade e frequência dos episódios de estresse.
Diante deste contexto, para aqueles que possuem alguma das condições mencionadas (refluxo, úlcera gástrica, doença de Crohn, colite ulcerativa, alergias alimentares, síndrome do intestino irritável) ou que enfrentam significativos níveis de estresse e ansiedade, é imperativo considerar a incorporação de alternativas no cotidiano visando o manejo adequado deste estresse. Entre as recomendações, incluem-se: (1) a integração de atividade física na rotina diária, preferencialmente aquela que seja do agrado e identificação do indivíduo; (2) a aplicação de técnicas de relaxamento, como a acupuntura e a meditação, podem ser benéficas; (3) a busca por acompanhamento psicológico profissional pode fornecer significativo suporte; (4) a substituição de fontes de cafeína por chás com propriedades calmantes, como camomila, erva-cidreira e funcho; (5) o estabelecimento de um ritual de sono, incluindo a desconexão de dispositivos eletrônicos antes de dormir e a redução da ingestão alimentar noturna, visando promover um sono reparador; e (6) a dedicação de um tempo exclusivo para o autocuidado, seja através da prática de meditação, leitura, orações, ou atividades afins, proporcionando um momento valioso de conexão consigo mesmo.
Referências Bibliográficas
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Chaudhry TS, Senapati SG, Gadam S, Mannam HPSS, Voruganti HV, Abbasi Z, Abhinav T, Challa AB, Pallipamu N, Bheemisetty N, Arunachalam SP. The Impact of Microbiota on the Gut-Brain Axis: Examining the Complex Interplay and Implications. J Clin Med. 2023 Aug 11;12(16):5231.
Autora
Luana Bernardi, Nutricionista e Doutora em Tecnologia e Saúde.
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